fevereiro 28, 2017

dois mil e dezessete até aqui


esse post tem a cara da vergonha, mas também se parece muito com um tal de filmes da semana. os anos vêm e vão, mas a preguiça e a procrastinação permanecem e se multiplicam feito gordura em fogão de república de estudante.

aqui, a gente continua a nunca perder a oportunidade de fazer trocadilho infame e usar hashtags sem noção, porém em todo dia trinta (ou trinta e um, quando o mês cair nos ossos maiores da mão fechada).

ah, o título desta seção é autoexplicativo, mas o que você talvez ainda não saiba é que eu vou falar sobre esses filmes respondendo a três questões em até cento e quarenta caracteres. #twitterfeelings

sing – quem canta seus males espanta (sing, estados unidos da américa, dois mil e dezesseis)

sobre o que é? um monte de bichinho que canta, dança, pula e destrói palcos com notas altíssimas.
por que assistir? pra lembrar que o medo e você mesmo são seus piores inimigos, e que a única coisa que você pode fazer é fazer.
quanto vale? quatro meenas cantando leonard cohen, stevie wonder e happy birthday.

é fada (idem, brasil, dois mil e dezesseis)

sobre o que é? uma produtora que descobriu que, levando o youtube pro cinema, ganharia muito mais dinheiro.
por que assistir? hein, você ainda tá aqui? volta lá pra sua maratona de séries no netflix.
quanto vale? dezenove e noventa de assinatura pra ver aquele catálogo maravilhoso de originais do netflix (ou uma vilma tereza fazendo cosplay de gato salem).

trolls (idem, estados unidos da américa, dois mil e dezesseis)

sobre o que é? cores, muitas cores.
por que assistir? pra sair por aí sorrindo e cantarolando can’t stop the feeling.
quanto vale? quatro bridgets dançando ao som de ariana grande.

almost adults (idem, canadá, dois mil e dezesseis)

sobre o que é? uma moça que conta pro mundo que é gay, exceto pra sua melhor amiga e colega de apartamento.
por que assistir? sabe aquela sensação de quando a gente não tem ideia do que tá fazendo com a vida? 
quanto vale? quatro lauras e quatro carmillas fingindo serem adultas.

vlw flw e mês que vem a gente volta

dezembro 02, 2015

boas leituras (edição segunda)


estamos diante de três leituras postas em três longínquos extremos: num, a crueza do relato de uma vida desvirtuada que está agora por um fio; noutro, toda paixão de um apaixonado pela escrita em palavras tão simples e inspiradoras; e por fim, uma história agridoce sobre o amor.

como sempre, o boas leituras são breves comentários de leituras sobre as quais sou incapaz de escrever mais do que dois parágrafos. a cada postagem, notas de três boas leituras (mas não entenda ‘boas’ como um ponto inferior na escala hierárquica dos adjetivos, vindo logo abaixo de ótimo. não.).

ovelha: memórias de um pastor gay, de gustavo magnani

ovelha conta sua história de forma agressiva. e já começa com um inesperado soco no estômago. “eu nasci veado. amém". mas o perdoe, “é a falta de experiência”. basicamente, o livro é sobre um pastor gay que, perto da morte, narra suas memórias, falando diretamente com deus, sem pudor algum e de forma tão crua. ele conta seus primeiros relacionamentos com homens, sua relação com a esposa de mentira, os filhos e, principalmente, sua Mãe (assim, com letra maiúscula. e deus com minúscula.).

é visível a influência de garcía márquez e drummond, e magnani não o faz de qualquer forma: ele consegue fazer bom uso dos dois grandiosos estilos de escrita, conferindo certa singularidade à sua própria narrativa. o moço faz com que você se sinta sentado ao lado de ovelha enquanto ele, em sua cama de hospital, lhe confessa tudo, olhando no fundo dos seus olhos. porque as palavras deste narrador são como o olhar intenso e perturbador de quem faz uma confissão nunca antes esperada.

ovelha: memórias de um pastor gay é, talvez, a melhor leitura do ano, especialmente por me ter arrancado do meu lugar de conforto sem sequer pedir licença. não temo em dizer que todo fanático religioso (os silas malafaias, os marcos felicianos, os eduardos cunhas...) deveria ser agraciado com uma cópia desta obra prima pós-moderna.

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Eu nasci veado. Amém.
Perdão, comecei agressivo demais, senhor. É a falta de experiência. A mão suada, de tantas punhetas, segura outro objeto em riste, a caneta; não tão habituada à minha textura, ela teima em escorregar nas palavras e desviar os pensamentos. Sim, gosto de pau, de pelo, de suor, de porra. Nasci veado e morri veado. Não, não estou morto. Xô, Brás Cubas. O coração ainda bate, mas me sinto como se estivesse enterrado. Nasci enterrado. Nasci evangélico. Não nasci pastor, mas estava escrito, segundo o bondoso destino de deus...
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ovelha: memórias de um pastor gay
gustavo magnani
geração editorial
dois mil e quinze
 (“a carreira política despencaria, seu eleitorado formado exclusivamente por evangélicos em busca do direito de tirar o direito dos outros seria desintegrado” [p. 172] / “... com tanta tristeza no mundo, com tanta morte, maldade, por que deus se incomodaria com quem o gay se envolve? a bíblia prestou serviços sociais; ela deve ser contextualizada em sua época. suas leis são assassinas! são revoltantes! ‘onde está o deus de amor?’, pergunta o irmão que lê o antigo testamento” [p. 225])

o zen e a arte da escrita, de ray bradbury

bradbury é, com quase toda certeza, um dos autores mais inspiradores dos quais tive o imenso prazer de conhecer. entre fahrenheit 451 e licor de dente-de-leão existe uma linha tênue: ambos são duas fontes de inspiração, apesar de serem de gêneros completamente diferentes; um, sci-fi; outro, infanto-juvenil. e talvez essa seja a magia de um escritor.

em o zen e a arte da escrita, o autor nos conta de onde vem tudo isso que vemos em seus livros, em nove ensaios escritos em épocas diferentes. “o que você mais ama no mundo?”, bradbury questiona e, com isso, te incentiva a começar a escrever sobre, imediatamente. mas este está longe de ser um manual sobre como escrever prosa. é mais como se fosse os conselhos e alertas de um velho companheiro de guerra.  ou ainda, um relato apaixonado de um apaixonado pela escrita.

as cento e sessenta e seis páginas são como exatamente cento e sessenta e seis injeções de ânimo que todo escritor, ou quem deseja o ser, necessita nos momentos ruins em que a inspiração tira folga ou quando ela insiste em nunca dar as caras.

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Entusiasmo. Prazer. Raramente ouvimos essas palavras! Raramente vemos pessoas vivendo e, no nosso caso, criando com base nelas! Ainda assim, se me perguntarem sobre os itens mais importantes no figurino de um escritor, as coisas que moldam o seu material e o impelem em direção ao caminho que ele deseja percorrer, eu apenas o aconselharia a olhar para o seu entusiasmo, para o seu prazer.
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o zen e a arte da escrita
ray bradbury
editora leya
dois mil e onze
 (“para o coração, todas as boas histórias são um mesmo tipo de história, a história escrita por um homem particular baseada em sua verdade individual” [p. 144] / “vá com as patas de pantera aonde todas as verdades minadas dormem” [p. 151])

azul é a cor mais quente, de julie marot

agridoce. a primeira palavra que pronunciei quando no último quadrinho de azul é a cor mais quente. e eu senti no paladar essa agressividade. por isso, já sabemos desde o primeiro balãozinho de fala que aquelas são palavras póstumas de clémentine, cuja amada lê seus diários escritos dos quinze aos últimos momentos de vida.

julie marot desenha e escreve sobre adolescência, autodescobertas, sexualidade, mas, sobretudo, ela conta uma estória sobre o amor. a estória segue clémentine que, ao conhecer emma, uma estudante de artes plásticas de belos cabelos e olhos azuis, vê sua vida virar ao avesso. os traços da autora resumem toda a delicadeza das personagens desenhadas em tons de cinza, o que contrasta com os cabelos azuis de emma.

diferente do filme (calma, não vamos fazer a ladainha sobre livro e filme!), senti que, no último quadrinho da morte de clémentine, aquela história de amor acabaria ali. a versão de abdellatif kechiche me deu a certeza de que adèle (clémentine na hq), ao cruzar aquela esquina, encontraria outra pessoa, pra qual daria o mesmo amor que a uniu a emma.

ao mesmo tempo em que azul é a cor mais quente é a estória de amor mais linda entre dois seres humanos que se amam além de qualquer parâmetro, é, também, o relato mais dolorido do impacto deste amor nessas duas personagens.

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azul é a cor mais quente
julie marot
editora martins fontes
dois mil e treze
 (“o amor não corresponde à moral que ensinam para a gente” [p. 41] / “talvez seja estúpido esperar que alguém se contente com o que acontece todos os dias, sem tentar buscar algo mais ou se arriscar” [p. 45] / “eu te amo passionalmente... e eu te amo pacificamente... talvez seja isso o amor eterno, essa mistura de paz e fogo” [p. 127]

já acabou, jéssica? pois continue, jéssica!


isso mesmo, eu não podia perder a piada. o título desta seção é autoexplicativo, mas o que você não sabe é que eu vou falar sobre esses filmes respondendo a três questões em até cento e quarenta caracteres. #twitterfeelz aqui, a gente não perde a oportunidade de fazer trocadilho infame toda quarta-feira e usar hashtags sem noção.

lírios d'água (naissance des pieuvres, frança, dois mil e sete)

sobre o que é? uma menina introspectiva, outra muito doida e outra muito badass descobrindo sua sexualidade.
por que assistir? pra gente ver que adolescência é estar entre o céu e o inferno e que nem tudo vai acabar num final feliz.
quanto vale? quatro annes enterrando sutiãs em quintais alheios.

que horas ela volta? (idem, brasil, dois mil e quinze)

sobre o que é? sobre uma jessica que grita, usando os geniais planos cinematográficos de anna muylaert, pra todo canto que tá tudo errado.
por que assistir? para levar uns soquinhos no estômago e repensar uns conceitos aí que o povo anda dizendo que não são nada de mais.
quanto vale? cinco jessiquinhas caminhando por onde ela quiser.

a garota que conquistou o tempo (toki o kakeru shojo, japão, dois mil e seis)

sobre o que é? uma moçinha que pode voltar no tempo (veja que louco!), mas aí ela caga com tudo.
por que assistir? os grandes olhos e toda a fofura desses personagens orientais já são dois ótimos motivos. e não falemos mais sobre isso.
quanto vale? quatro saltos no tempo até encontrar o amor da sua vida.

pocahontas: o encontro de dois mundos (pocahontas, estados unidos, mil novecentos e noventa e cinco)

sobre o que é? um bando de índio que vivia diboas até um bando de europeu aparecer pra roubar um ouro que nunca existiu.
por que assistir? to learn that sometimes we need to walk in another person shoes pra viver felizinho. #joutjoutfeelings
quanto vale? quatro vidas cantando colors of the wind (só que na versão de tori kelly, faz favor).


vlw flw e semana que vem a gente volta

janeiro 15, 2015

boas leituras (ou leve três e pague um)


o boas leituras são comentários de comentários. brevíssimas notas de livros dos quais me sinto incapaz de escrever mais do que dois pequenos parágrafos. a cada postagem, notas de três boas leituras.

pedro páramo, de juan rulfo

a primeira leitura de dois mil e quinze foi difícil. e muito. pedro páramo é um livrinho de cento e trinta e poucas páginas, mas sua leitura é custosa como a de um calhamaço de oitocentas e tantas. mas nada, absolutamente nada disso quer dizer que este seja um livro ruim. é justamente o contrário. o clássico mexicano de juan rulfo resgata a atmosfera e os espaços da américa latina, especificamente o méxico, para construir o realismo mágico do qual tantos já beberam – garcía márquez, vargas llosa, cortázar.   

pedro páramo é um livro de muitas vozes. a narrativa é construída sob a profusão de vozes ora mortas, ora vivas. na saga de juan preciado em busca de informações sobre o pai que nunca conheceu, o personagem principal cruza com figuras que fazem até o leitor duvidar se realmente são pessoas de carne e osso. é a história das histórias de um méxico antigo. todo mundo quer voz, até as almas que ainda não conseguiram o descanso eterno. e é preciso que se dê atenção a todos!

o romance único de rulfo não é um livro de uma única leitura. seus grandes e inúmeros parênteses exigem outras atentas revisitas.

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VIM A COMALA porque me disseram que aqui vivia meu pai, um tal de Pedro Páramo.
Minha mãe me disse. E eu prometi que viria vê-lo assim que ela morresse. Apertei suas mãos em sinal de que faria isso; pois ela estava morrendo, e eu decidido a prometer tudo. “Não deixe de ir visitá-lo”, recomendou ela. “O nome dele é assim e assado. Tenho certeza que ele vai gostar de conhecer você.” Então não tive outro jeito a não ser dizer a ela que faria isso, e de tanto dizer continuei dizendo mesmo depois que minhas mãos tiveram trabalho para se safarem de suas mãos mortas.
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pedro páramo
juan rulfo
editora bestbolso
dois mil e oito
 (“a morte não se reparte como se fosse um bem. ninguém anda à procura de tristezas”)

a palavra nunca, de eric nepomuceno

expectativa é sempre um negócio perigosíssimo, principalmente em leituras. e talvez a maioria das minhas decepções com livros seja justamente por causa deste ridículo fator. das três desta postagem, duas se justificam pelo ‘excesso de expectativa criada’. e esta é uma. não pela obra em si, mas pelo nome que ela carrega.

eric nepomuceno é conhecido por suas traduções para o português de escritores como garcía máquez, cortázar, galeano, onetti, e do próprio juan rulfo. mas foi justamente o pedro páramo que me levou a ele e, consequentemente, ao seu palavra nunca. e muitas outras leituras ficaram para trás por causa desse livrinho de contos de meados de mil novecentos e oitenta e cinco. e o resultado, vocês, caros visitantes, já sabem.

palavra nunca não é de todo ruim. existem aqueles poucos ótimos contos, e existem também aqueles que não fazem sentido algum – que, neste caso, é a maioria. ‘telefunken’, o conto de abertura, é um exemplo da primeira categoria. assim como em grande parte, nele tudo acontece muito rápido, a narrativa é construída de forma a deixar o leitor embasbacado. n’outros, a impressão que eu tenho é de que ele tentou ‘fazer diferente’, mas deu tudo errado e só dá pra sentir vergonha alheia.

até aqui, parece que eu realmente estou sendo violenta com o livro. mas não. meu ódio é por aquela expectativa de lá do início mesmo, lembram? nepomuceno enquanto escritor é um exímio tradutor.

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Pelo buraco redondo coberto com o pano amarelinho que fica bem no meio da caixa de madeira com o nome Telefunken escrito em letrinhas brancas, sai a voz de uma mulher brava. Tem de ser brava porque tem a voz fininha. A mãe tem voz fininha e vive brava.
Essa gente que canta no rádio não muda de assunto. É sempre essa coisa de amor para cá, amor para lá, e não falam em outra coisa. E falam cantando, claro, porque são cantores e tudo, e tem uma porção de gente diferente. É fácil perceber isso porque as vozes são diferentes e porque eles cantam em uma porção de línguas.
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a palavra nunca
eric nepomuceno
editora da ufscar
mil novecentos e noventa e sete
 (você se casa, compra um rádio, sua mulher pega filho e você morre dois meses depois)

maus, de art spiegelman

pra início de conversa, eu nem deveria estar escrevendo este comentário, mas nos quatro cantos deste blog, esta, que vos escreve, enfatiza que tudo o que aqui escreve são anotações, comentários e que, principalmente, imparcialidade nesta casa não habita. portanto, que eu escreva sobre as minhas peripécias enquanto recente leitora que faz muita besteira por causa daquela coisa chamada expectativa.

pois bem, maus também foi uma compra/leitura desesperada depois de muito ouvir sobre essa hq “esplêndida!”, “incrível! me fez chorar muito”, “fiquei boquiaberto! até me senti mal com aquele horror todo!”, e mais uma porção de longas e breves interjeições como estas. a leitura me custou uns bons dois meses: li metade em quase um dia, e a outra metade semanas e semanas depois. e tudo porque eu jurava que, se o livro não me parecia aquele esplendor todo, era porque eu não estava numa boa fase. então o retomei dois meses depois. mas nada.

o fato é que maus é uma fonte interessantíssima de informações sobre a segunda guerra mundial, o holocausto,  etc, e exemplo de construção incrível de narrativa em metaficção. nothing else. mas a questão aqui é que os desenhos e a forma de narrar todo o horror do holocausto não foram suficientes para me fazer enxergar maus como mais do que um livrinho de história mundial ilustrado sob o olhar de quem viu de perto a europa dos anos trinta e quarenta. se foi insensibilidade da minha parte, a gente não sabe, mas que eu devo ter algum sério problema, disso eu tenho certeza.

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maus
art spiegelman
quadrinhos na cia.
dois mil e cinco
 (“me deixa dormir, richieu!”)

janeiro 01, 2015

o que eu chamo de amor


in the lonely hour foi a coisa mais brilhantemente triste de dois mil e catorze. e sam smith a mais sincera. o sam smith personagem, eu digo. não o sam smith que atingiu os picos de importantes charts por sabe-se lá quantas semanas, ou aquele que liderou o número de indicações ao grammy. esse sam smith não interessa aqui; este comentário é sobre um personagem dolorosamente vulnerável, protagonista de um incomum debut album que é a imagem do que eu chamo de amor.

lonely hour numa palavra é vulnerabilidade. sam canta a fraqueza do homem pro amor, e veste a carapuça. esse mesmo personagem se despe de qualquer pudor e assume que quer seu amado de volta, pede que largue seu amante e fique com ele e que deite ao seu lado, porque ele é o seu suporte de vida. ele ama e não hesita em deixar essa ferida aberta.

as catorze faixas da versão deluxe do disco se encaixam como um livro de contos que se interdependem. em money on my mind ele fala de um amor diferente, do seu pela música. é o prólogo em que ele justifica as histórias que vai contar. e já declara “i don’t have money on my mind, money on my mind, i do it for, i do it for the love” em ritmos mais agitados, que não são tão característicos ao álbum. os violinos de good thing trocam as batidas da primeira faixa pela calmaria numa balada que é quase só voz.

não, stay with me não é o melhor r’n’b de que dispõe sam smith. o disco é uma mina de canções que extrapolam a sensualidade do r’n’b e os vocais (insira aqui um adjetivo demasiado grandioso) do moço, e stay with me só compõe a turma. mas é nela que sam começa a rasgar as feridas, em que ele canta: “why am i so emotional? no, it’s not a good look, need some self control”. a melancolia na voz do rapaz é evidente, e mais do que essencial, e a faixa não poderia ser cantada de outra forma.

leave your lover é a redenção de um personagem que de tão apaixonado perde a noção de que a vida não é como num final feliz de um filme hollywoodiano. sam pede para que ele largue seu amante para ficar ao seu lado. digo, com certa desconfiança, que ele quase se vende por amor. até aqui, é a faixa mais intimista em que o clamor do personagem é cantado apenas com acompanhamento de violão, um piano e violinos melancólicos. um dos primores do álbum.

n'outro extremo, sam é protagonista de um relacionamento às ruínas, mas sofre calado, no delicioso r’n’b de i’m not the only one. a faixa seguinte é como um seguimento à sua anterior: na história de i’ve told you now, o casal parece ter se reconciliado, mas ele ainda é uma dúvida para sam, e a verdade é dita. like i can e life support são um paradoxo: na primeira ele impõe a força de seu amor, mas na segunda é a insegurança em pessoa.

not in that way me dói. na canção, a voz limpa do moço é acompanhada somente pelas cordas secas de um violão, para reforçar todo o clima de uma tristeza que rasga o coração em pedacinhos. é tudo sobre um sam que se odeia por amar alguém que ele sabe que jamais o quereria. ele assume “i'd never ask you ‘cause deep down i'm certain i know what you'd say, you'd say i'm sorry believe me, i love you but not in that way”. lay me down é uma primorosa mistura de r’n’b, soul e pitadas de jazz, e começa com os vocais de sam quase em sussurros – acompanhados de um piano esporádico – até ir atingindo uma profusão de notas e instrumentos mais altos. a canção é a antítese do disco; pudor e entrega total, força e fragilidade.

restart é a reconciliação de sam com seu coração partido por alguém que o fazia de bobo. a canção quebra a melancolia das histórias anteriores e traz um pop que se encaixa com a letra. sam declara que são tempos de recomeço, de alegria. o piano constante e os violinos esporádicos de latch traduzem o regozijo da entrega. la la la destoa de tudo o que o disco mostrou até aqui, e make it to me é o ápice da capacidade vocal do rapaz. a melhor faixa do lonely hour. sam conta com o apoio de um coral para gritar no refrão “you’re the one designed for me, a distant stranger that i will complete”. ele resume todo o disco em pouco menos de três minutos para reforçar que amar é como contar seus segredos pro mundo todo, contra a própria vontade.

sam smith não parece querer concorrer na indústria do pop com seu in the lonely hour, talvez porque ele se despe e entrega toda sua sinceridade em pouco mais de quarenta e cinco minutos. difícil dizer que rumos podem tomar esse personagem, já que o risco de ser modelado por essa indústria de música pop é iminente. pouquíssimos escapam dela.  

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 in the lonely hour
sam smith
capitol records
vinte e seis de maio de dois mil e catorze
pop, soul e r’n’b
 (já que os momentos de solidão são, talvez, os mais sinceros)